Jogos de Monster Raising atualmente: O que os torna tão bons em plenos anos 2020? -Um Recorte.

Cafe 8 bits
9 min readFeb 17, 2022

Eu já estou cansado de falar aqui que meu tipo favorito de jogos de video game são os Monster Catcher/Raising, ou também conhecidos como MonCo. Isso se dá desde que eu me entendo por gente. Como uma cria dos anos 1990, eu tive muito contato com Pokémon e seus correlatos.

Recentemente, me peguei pensando muito sobre algo que eu adoro quando é feito no gênero. — Parei para fazer esta reflexão com o recente anúncio envolvendo Devil Summoner, jogando Pokémon Legends Arceus (que vai aparecer numa review depois) e assistindo Digimon Ghost Game.

Eu notei que um fator em comum que amo nestas 3 franquias específicas, é que elas tratam problemas muito palpáveis entre a relação de humanos e os monstros. Essas séries apresentam relacionamentos muito problemáticos entre pessoas e as criaturas que as habitam. Os interesses entre os seres representados, e os humanos sempre vão conflitar, algumas vezes gerando crises violentas.

Normalmente cabe aos protagonistas de tais obras resolverem os pepinos que essas dinâmicas vão gerar, mas sempre acaba-se por notar ao fim que essa é uma tarefa impossível. Pois, cada vez mais, esses monstros que adoramos capturar, colecionar, criar e por para batalhar, representam características humanas, boas e ruins. Por serem espelhos de nós, seus conflitos vão sempre existir. Vai dos personagens tomarem vantagem disso para o bem ou para o mal.

MonCo pode beirar o gênero Kaiju as vezes (Digimon Cyber Sleuth-2015)

A recente da atenção que Devil Summoner recebeu, assim como o promissor lançamento de Pokémon Legends: Arceus mostram que esse ainda é um trope muito bem-vindo, visto que apesar de tão opostas são duas obras que tratam desse tópico. Francamente, na era atual eu não vejo uma forma melhor de fazer MonCo do que esta. Eu sei, isso soou pretensioso para caralho, mas não me leve a mal.

É só que as franquias que temos hoje evoluíram com a gente, num ponto de que tratar uma dinâmica de interesses, conflitos e problemas reais é a melhor forma de nos fazer criar interesse por esses mundos e monstros fictícios. Isto visto que nós vamos enfrentar situações similares na vida moderna, que é muito diferente de quando estes jogos nasceram.

Quando este estilo de RPG surgiu com Digital Devil Story: Megami Tensei, no fim dos anos 1980 ele não se preocupou muito em caracterizar as criaturas que trouxe. Isso porque nenhum jogo virtualmente caracterizava nada nem ninguém nessa época, devido as suas limitações. Dragon Quest V tinha um roster extremamente carismático de monstros, o que em minha humilde opinião pavimentou o caminho para a excelente adaptação que os Pokémon ganhariam em 1996. Entretanto, esse ainda era um gênero jovem.

Digital Devil Story-Megami Tensei

Pokémon é um caso interessante, pois embora minha insatisfação recente com a franquia, eu sempre fui muito fascinado pelo seu desenvolvimento. Mas como isso é tópico para outro texto… Em suma: Pokémon nasceu das aventuras de infância do desenvolvedor Satoshi Tajiri pelo Japão pós guerra.

Muitas coisas nesses primeiros jogos nasceram de experiências que crianças naquele período tinham. Este de rápida modernização e mudanças socio-econômicas. Desde achar fósseis em cavernas, até capturar, guardar e trocar insetos nos bosques — cada vez mais aplanados para dar lugar a metrópoles. — A geografia e sociedade japonesa do pós guerra e pré bolha dos anos 1980, por incrível que pareça moldaram Pokémon, seu mundo de fantasia, suas estruturas e seu jeito de existir.

Por exemplo: A tecnologia é tão *mágica* no mundo Pokémon, pois era assim que uma criança pobre do período via o desenvolvimento tecnológico. Rápido, tornava tudo possível. Era quase como mágica. Já dizia Arthur C. Clark: ‘’Toda tecnologia avançada para um observador ignorante do contexto é quase como mágica.’’

O ponto é: Pokémon não criou o gênero MonCo, não o popularizou e nem o amadureceu. Mas ele foi o pilar central para a globalização deste tipo de mídia. E por isso ele é o portal de acesso, e inspiração que outras franquias vão ter. Mas Pokémon veio de um contexto muito único, o otimismo econômico e social do pré bolha do Japão dos anos 80, somado com o crescente otimismo geopolítico localizado que os anos 1990 trouxeram. Sendo assim, o mundo de Pokémon em sua base dificilmente encontrará espaço para tratar de problemas complexos e palpáveis que girem em torno das relações Humanas.

E isso é um problema? — Não necessáriamente. Pokémon encontrou seu espaço assim, e isso funcionou muito bem. (aliás, meu jogo favorito é um MonCo de fantasia: Ni No Kuni.) O apelo para massas e para crianças mundo a fora foi muito substancial para o sucesso da franquia. Pokémon tem como ser uma série abrangente e inclusiva, pois seu mundo fantástico não tem os problemas que nós temos. Mas para gerações futuras, faltaria apresentar dilemas que tornasse esse universo mais interessante.

Indo na contra-mão: Em meados do fim dos anos 1990, Devil Summoner trouxe uma relação mais cotidiana com os demônios de SMT. Como eles exerceriam sua influência no mundo normal, fugindo da trama megalomaníaca da série principal. Aqui focamos mais na dinâmica dos mitos e lendas antigas na vida moderna, muitas vezes do ponto de vista de jovens adultos inseridos naquele contexto. Num âmbito pessoal, acredito que esta série seja a que mais faz falta hoje em dia.

A relação com os demônios era tão importante em Devil Summoner, que haviam mecânicas de lealdade.- Soul hackers, 1997

Digimon nasceu oriundo do boom tecnológico dos anos 90, e sempre foi na dianteira de criticar a relação da humanidade com a tecnologia. O grau de sucesso com que conseguiu isso varia desde só ok até excelente. Nos jogos recentes Cyber Sleuth,o tiro saiu certeiro criando um universo com dilemas bem humanos. Na realidade, Cyber Sleuth em 2015 já previa os problemas que uma sociedade baseada na cultura do Metaverso teria.

Digimon é uma franquia que só poderia existir dado o seu contexto social e cultural. É uma carta para as crianças daquela que seria a primeira geração criada pela tecnologia desenfreada que nos trouxe até aqui. Vou deixar um vídeo muito bom sobre o tópico aqui, acredito que se esse texto te interessou o vídeo também vai.

Enfim, o gênero amadureceu bastante. Cada franquia traz seu próprio processo artístico e contextual. Mas todas elas tiveram grande influência do mundo exterior, em seus desenvolvimentos. Claro, algumas mais do que as outras.

Todavia, o que realmente mudou muito desde o começo de tudo isso, foi o mundo. Nos anos 2010–2020, a vida que vivemos é drasticamente diferente do que nossos pais e avós tinham, em muitos sentidos. O clima de otimismo que a tecnologia e as mudanças do pós guerra-fria trouxeram, deu lugar a questionamentos sobre o avanço tecnológico da humanidade, a forma como regemos nossos sistemas econômicos e sociais, além de uma polarização discutivelmente mais forte. (Eu digo discutivelmente, pois o ponto desse texto não é necessariamente debater a situação geopolitica atual. É apenas um recorte.)

É exatamente por isso que digo que hoje, a melhor forma de fazer um MonCo é trazendo uma forte dinâmica entre os seres que iremos domar, e os humanos. Como os interesses das duas partes podem divergir e falar um pouco sobre nós? Um bom exemplo disso, foi o sucesso estrondoso que Yokai Watch causou nos anos 2010. Essa franquia é conhecida exatamente por criar esses dilemas entre os Yokai que capturamos, e os Humanos que habitam o mundo real. Apesar de ter um foco infantil, muitos dos cenários criados são interessantes o suficiente para chamar a sua atenção, mesmo que de forma boba. Acredito que a chegada desta e de outras séries foi uma respirada de ar fresco.

Pokémon demorou de mais para cair nessa linha, entretanto. Foi apenas em 2022 com Pokémon Legends: Arceus que finalmente temos esses conceitos inseridos nesse universo. Em Legends, o passado do mundo Pokémon é abordado. Uma era em que não se sabe muito sobre essas criaturas, que ainda são muito hostís aos Humanos. Ambos se causam problemas, e em muitos momentos o título levanta a pergunta de quem é que começou esse conflito? Será que foram os Humanos chegando no território dos monstros, ou foram os monstros que estavam apenas se defendendo? No fim das contas, é uma aposta refrescante, criativa e muito boa numa franquia tão antiga e que vinha sofrendo de problemas de estagnação grave.

Damn, Pokémon do be terrifying creatures

Não vou entrar em detalhes sobre Legends, já que ele vai ganhar uma review. Mas o ponto é que esse novo take nos monstros de bolso sinceramente deixou a série clássica obsoleta para mim, ao menos em conceito. É como se Pokémon tivesse se renovado, e eu visse cada monstro que conheço a 20 anos de uma nova e sobrenatural maneira de ser. Tudo isso sem fugir exatamente da fórmula fantasiosa, apenas alterando o ponto de vista. Eu acho que isso conversa bem mais com o jogador contemporâneo. (Embora eu admita que seja difícil falar pelo público alvo em sua totalidade.)

Digimon apostou nessa ideia em seu novo anime: Ghost Game. Embora seja infantil, a trama gira em torno da difícil dinâmica que essas criaturas tem com Humanos, criticando também nossa relação com tecnologia. Eu não tenho tanto a dizer assim de GG, já que está apenas no começo… Mas tudo indica que ele terá essa aproximação permanentemente. Algo que o próximo jogo da série, Digimon Survive promete abordar também. Inclusive, o responsável pelos jogos dos monstros digitais também já demonstrou que tem extremo interesse neste conceito.

Digimos Survive tem tudo para ser a brain child do Habumon. Mas afinal… vem ai?

Tudo isso culmina para mim, em Devil Summoner POSSÍVELMENTE voltando em breve. Não tem série de RPG para mim que entenda mais o momento atual do que essa, e eu acho que é a hora ideal para seu retorno. Admita, os demônios digitais vão ter muito com o que trabalhar com tudo que andamos vivendo.

Mal posso esperar pela side quest do Mothman e Jack Frost roubando NFTs de macaco…

ajudem o Mothman, ele está sendo vendido por 0,06 Etherium na OpenSea

Mas acho que esse é o ponto: Quando condensamos dilemas, emoções e criticas humanas nos monstros que vamos ter de conviver com em um jogo, isso torna eles mais interessantes. E isso deixa a dinâmica deles com os humanos e o jogador muito melhor, também. Mesmo que isso seja feito de uma forma simples, (Digimon) ou convertendo um conceito já conhecido (Pokémon), vai funcionar bem. Não tem nada que me entretenha mais nesses jogos do que as consequências palpáveis da relação dessas criaturas com humanos.

No mundo atual, tão diferente do que era 30+ anos atrás a tecnologia basicamente virou contra nós, passamos por dois anos de pandemia e crises são costumeiras quase todo lugar. Eu acho que nunca foi uma hora tão boa para esses monstrinhos nos fazerem questionar nós mesmos. E melhor ainda, potencial é o que não falta. Eu mal posso esperar para o que os futuros jogos de MonCo nos trazem por ai.

Talvez eu tenha me deixado levar na reflexão, mas foi de coração.~

Fontes linkadas nos devidos quotes. Abraços.

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Cafe 8 bits

Falo de vídeogames e mídias que acompanho. Apaixonado por JRPGs e moncos (monster collection games) Nosso arquivo: https://pastebin.com/PZf0ijeP