Review: Digimon Story: Hackers Memory Estilo e Substância juntos finalmente

Cafe 8 bits
13 min readJun 24, 2020

Por eu ser um fã de RPGs de colecionar monstrinhos, Digimon Cyber Sleuth estava na minha mira já fazia anos, literalmente. Desde que o primeiro jogo ganhou uma notoriedade e sucesso absurdos no Vita, até o lançamento de sua sequência e consequentemente o relançamento de ambos para Switch e PC. Entretanto, foi só esse ano que finalmente dei uma chance para o mesmo.

Como eu disse no meu artigo sobre Digimon, sempre tive um preconceito com a franquia e Cyber Sleuth foi o responsável por começar a mudar isso. Após a minha incabível decepção com Pokémon Sword, (E com a franquia no geral) reparei mais e mais pessoas me indicando esse singelo RPG dos monstrinhos digitais, então eu fui ver qual era a dele. E senhoras e senhores, não podia ter tomado uma decisão melhor.

Meu jogo em questão foi Digimon Cyber Sleuth: Hackers Memory, uma sequência para Cyber Sleuth lançada em 2018 para Vita e PS4.(posteriormente para PC e Switch)E é muito importante ressaltar que eu indico jogar o Cyber Sleuth original primeiro, pois apesar do título ser paralelo ao seu antecessor a trama assume que você já sabe de muitos acontecimentos, e portanto não é uma decisão ideal começar por esse. Entretanto, mesmo com o deficit deu para perceber todas as qualidades que essa série teve para oferecer.

Fazia muito tempo que um RPG grande desses não me prendia a ponto de eu jogar horas sem ver o tempo passar. Normalmente, eu posso até gostar de um jogo mas me prender a ele é mais difícil do que parece, pois eu realmente tenho muita coisa para jogar. Hackers Memory lançou tudo isso ao espaço, e virei incontáveis noites explorando todos os seus segredos, coletando monstrinhos, e fazendo as side quests.

No mundo de Cyber Sleuth, os humanos podem acessar uma realidade virtual chamada EDEN, onde se digitaliza sua mente. (no maior estilo Matrix)Porem, é descoberto neste mundo virtual programas de I.A apelidados de Digital Monsters, que por sua facilidade para manipular os ambientes digitais são utilizados por hackers. Misture isso ao fato de que as pessoas literalmente fazem upload de suas mentes na internet, e você tem uma modalidade totalmente nova de crimes. E justamente, jogamos com um garoto que teve suas informações pessoais roubadas e em sua busca pelo criminoso, se alia a um grupo de hackers chamado Hudie.

O mundo apresentado em Cyber Sleuth e em Hackers Memory para mim é sensacional. Ele tem uma apresentação excelente, e muito viajada mas ao mesmo tempo sem tirar muito os pés do chão. Eu gosto como o mundo não gira em torno dos Digimon, como acontece em diversos outros moncos. Em vez disso, diversos personagens sequer sabem o que as criaturas são. Isso cria uma imersão mais fácil, pois é muito mais simples se por nos lugar dos personagens. Sem contar que reutiliza o lore dos primeiros bichinhos virtuais dos anos 1990!

Mesmo que possamos dividir nosso tempo explorando os ambientes digitais e a Tóquio da vida real, raramente eu ia explorar o mundo sem que o jogo me forçasse. É como se ele ativamente tentasse fazer o EDEN ser mais interessante do que Tóquio, e eu entendo o motivo por trás disso. Mas acho que fizeram a cidade ficar desinteressante até de mais, a ponto de que nem mesmo músicas tocam nas ruas. Mesmo assim, a região é detalhada na medida do possível, é fácil reparar os elementos de RPG portátil que Hackers Memory traz de herança do PSVITA, mas ainda é prazeroso conhecer as ambientações e ver o que cada uma tem a oferecer, muito embora parte do tempo você não tenha muito incentivo.

No EDEN a coisa muda de figura, e é quando a apresentação do título realmente brilha. Todos os ambientes seguem uma linha visual clara: Enquanto áreas mais comuns como o EDEN em si são basicamente cidades utópicas futuristas, cheias de tecnologia e elementos de realidade virtual, temos acesso também as áreas abandonadas do servidor, como Kowloon que é composta de locais que lembram um subterrâneo ou regiões remotas de cidades, apostando em mistura de elementos urbanos com visuais naturais, o que da um certo surrealismo e até deixa algumas áreas meio creepy. Tudo muito bem embalado pela trilha sonora por conta de Masafumi Takada, compositor de Killer 7 e Danganronpa.

O EDEN me lembra um pouco Detona Ralph 2…

Entretanto, eu tenho pesadas críticas ao departamento de áudio. Enquanto que a dublagem e efeitos sonoros são excelentes (Mesmo que uma opção de áudio em inglês ou outras línguas não exista) a música para mim é a mais fraca do Takada. Enquanto temos literais BANGERS como o tema principal de Cyber Sleuth, o tema de chefões, e o tema do boss final, a maioria das músicas é esquecível e algumas chegam a incomodar pelo loop curto que possuem. O que é uma pena, pois acertar isso deixaria todo o pacote artístico impecável.

Mas não tem jeito! Como qualquer RPG do gênero de captura de monstros, o recheio dessa obra inteira vai ser nosso tempo gasto em dezenas e dezenas de horas de dungeon crawling, enquanto montamos um time de criaturas perfeitos para prosseguir. Esse é de fato o ponto alto do título, pois contamos com um arsenal de mais de 300 Digimon prontos para o combate, com algumas exceções especiais, a variedade de criaturas e combinações para nosso time é realmente muito boa e dinâmica. Seguindo os elementos de V-Pet marca da franquia, podemos ter inúmeras opções de evolução para a mesma criatura, sendo que o jogo nos incentiva a ir e voltar entre arvores evolutivas, nos dando bônus de status, skills herdadas e buffs em geral caso optemos por isso.

Todavia, é perfeitamente possível fazer aquele Digimon que você tanto gosta seguir por todas as suas evoluções ‘’canônicas’’, e terminar o jogo desta forma. É uma excelente maneira de implementar grind, pois se você estiver disposto a se aprofundar na criação dos Digimon, você certamente será recompensado. Mas se você não quiser, e for casualmente jogar a história, também é perfeitamente possível. Só não terá acesso a determinados elementos da criação de Digimon. Todavia o grind, no mais claro sentido negativo é quase inexistente nesse jogo, já que ganhar níveis não é difícil caso não queira experimentar entre as formas evoluídas, e mesmo que você queira existem diversas mecânicas para manipular a XP do jogo, como deixar seus monstrinhos inativos treinarem em espaços designados. Isso além de ajudar, torna eles muito menos ‘’itens de uso’’ e mais ‘’criaturas’’, já que é como se fosse um esforço mútuo, enfatizando as origens de bichinho virtual da série.

O maior problema desse elemento é que, os jogadores que optarem por se aprofundar dificilmente terão um desafio extra antes do post game. O que é uma pena, pois eu sinto que a curva de dificuldade de Hackers Memory tem dificuldades em achar seu lugar no começo da obra, onde o suposto desafio reside em inimigos com quantidades absurdas de vida. Felizmente, após a metade do plot isso fica menos relevante, e somos apresentados a combates que demandam estratégias, buffs, debuffs e coisas do tipo. O que me deixou feliz, mas eu realmente gostaria que isso fosse algo que estava presente desde o começo.

Quando o assunto é por seus monstros digitais para lutar, as opções também são grandes. Temos acesso ao clássico sistema de pedra papel e tesoura, ao mesmo tempo que cada Digimon possui inúmeras opções de customização para combate. A grade de skills pode ser bem grande, e as batalhas normalmente são bem mais sobre a técnica e dinâmica da sua equipe, do que apenas apertar um botão sem parar. Ter a vantagem elemental não significa vencer a luta, o oponente provavelmente tem acesso ao mesmo panteão de habilidades que você e ele com certeza vai usar para te contornar, o que é uma coisa que diversos jogos do gênero deveriam aprender. Se aproximando muito, mas muito, de combates da série Persona e Megaten no geral, é definitivamente um aspecto polido do título, o qual você não se cansa e te faz querer investir tempo para entender e dominar. Felizmente, no jogo temos acesso a um modo onde podemos combater NPCs especializados em um arcade, assim podemos nos acostumar mais com o sistema de batalha e por a prova nosso domínio do mesmo.

Linhas de evolução extensas garantem que você terá mais incentivo para criar monstrinhos diferentes

Válido lembrar que existe uma modalidade de combate adicionada em Hackers Memory que se chama Domination Battle, e ela joga exatamente como um RPG tático só que consiste em assegurar pontos do mapa. Um conceito excelente, mas aparece bem pouco e não é tão bem aplicada. Algo similar as double battles quando apareceram pela primeira vez em Pokémon Ruby e Sapphire, ou as triple battles em Black e White.

Também existe um multiplayer online. Infelizmente ele é bem vazio, mas existem diversos ‘’Fight Clubs’’ no Discord, de pessoas que jogam bastante. O matchmaking é muito bem feito, e temos acesso a diversos bônus por lá. Vale a pena conferir, se jogar com amigos.

Tudo isso seria perfeito, se Hackers Memory também fosse um bom dungeon crawler, mas infelizmente ele não é. Embora elas definitivamente não sejam o foco, as dungeons deixaram muito a desejar. Elas beiram o extremo básico, e algumas eu não sei nem se posso chamar de dungeon num sentido literal. Elas cumprem bem a sua função proposta, e sendo assim isso é mais uma crítica pessoal do que técnica, mas eu realmente gostaria de uma área com puzzles, exploração e combates contra chefes periódicos mais aprofundados. Em suma, um Mementos ou Tartarus seria excelente. Mas é importante frisar que isso é algo pessoal meu, e simples e toscas como são as dungeons de Hackers Memory cumprem sua função. Só não espere nada além disso delas.

Vivendo em um mundo digital

Hackers Memory possui uma temática interessante. O jogo é extremamente self-aware no sentido de que ele sabe que naquele mundo, ele não é a história principal. Esta ficou por conta de Cyber Sleuth anos antes, mas HM é uma perspectiva do ângulo de pessoas relativamente normais aos acontecimentos grandiosos do primeiro jogo. Isso é algo que eu realmente gostei muito, e sinto que adicionou muito ao elemento charme. Keisuke, nosso protagonista, não recebeu alguma super habilidade, ou é naturalmente um deus no que faz. Ele é apenas um garoto que teve seus dados mentais e digitais roubados, e busca reaver o que é seu e limpar o seu nome. É fácil simpatizar com ele, é legal ver ele aprendendo a ser um bom hacker, principalmente pois os acontecimentos mais cotidianos da trama são literalmente isso: Coisas cotidianas. Eles são um grupo de hackers, mas eles trabalham com coisas do dia a dia, e o jogo faz um excelente trabalho em mostrar que existe um charme em coisas mundanas, novamente um grande paralelo a série Persona.

Eu diria que o cast de Hackers Memory é invejável para RPGs em geral, no sentido de que embora não tenha algo essencialmente especial em seus conceitos, eles são extremamente bem escritos e a dinâmica conjunta deles como um grupo revela uma imensa sinergia, mas acima de tudo eles são extremamente humanos.

Nosso chefe, Ryuji Mishima é o dono do grupo e do cyber café onde eles operam, perdeu os pais mais novo e agora toma conta de sua irmã que possui uma doença rara e por isso sente esse peso, e mais para o fim do jogo vemos o real significado dessa situação em seu psicológico. Sua irmã é Erika Mishima, uma garota que inicialmente vemos como chata e grossa, mas gradualmente criamos um laço afetivo conforme ela se desenvolve. E junto com eles temos Chitose, o ‘’bro’’ do grupo. Ele é extremamente caricato, brincalhão, e emocional, mas ele sente um apreço e responsabilidade enorme pelo time, sendo muitas vezes colocado em posições de liderança. Eu gostei de como trataram o Chitose, ele tinha tudo para ser o alívio cômico, mas ele é um perfeito mix de personagem humorado com responsável.

Eles funcionam bem, tem muita sinergia e são escritos de forma humana tendo desavenças e concordâncias, o que faz o tempo com que passamos com eles muito mais aproveitável. Mais do que isso, são pessoas normais vivendo dias normais, o que as torna ainda mais próximas do jogador.

Hackers Memory traz vários personagens recorrentes da franquia de volta também, como Rika e Mirei Mikagura, esta última que serve como nossa guia em nossa jornada, controlando o DigiLab, onde fundimos e criamos novos Digimon. Alguns outros aparecem, como os policiais Matayoshi e Date, e a brasileira Fei (Sim, uma brasileira compõe o cast desse jogo) E eles não são tão bem desenvolvidos, entretanto eles contribuem muito como personagens de apoio o que me faz pensar que isso nem era necessário. Senti falta de um sistema de ‘’social link’’ em Hackers Memory, embora possamos passar tempo com os personagens, se tivesse alguma forma de controlar isso melhor acredito que seria uma forma mais precisa de aprofunda-los.

Mas ai, depois de pegarem o artista de Devil Survive e todos os outros elementos, era pedir pra fazerem o dever de casa com Megaten além da conta né!?

Charme, Estilo e conteúdo devidamente no lugar certo

Depois de quase 100h travessando o mundo de Hackers Memory, conhecendo personagens e fortalecendo as máquinas de guerra digitais que criei, eu fui recebido por um dos finais mais emocionais que já vi em RPGs do gênero. Eu senti verdadeira vontade de chorar ao ver a cena final, que o jogo fez questão de dar um toque ‘’nosso’’ ao momento, deixando ela ainda mais pessoal e emocional. Ainda assim, Hackers Memory não foi um jogo perfeito, cometendo algumas falhas aqui e ali, mas felizmente nenhuma falha desse jogo ofusca seu brilho.

E você sabe o motivo disso? Pois Hackers Memory é um jogo feito com muito empenho e carinho de sua equipe, tanto pelos jogadores quanto pela franquia. HM foi lançado alguns anos depois de Cyber Sleuth e tinha todos os pré requisitos para ter sido um jogo preguiçoso, o famoso ‘’Pokémon Ultra Sun e Moon’’ de sua série. Mas não, HM trouxe novos conceitos, novas ideias e embora ele tenha sim reutilizado o core de Cyber Sleuth, ele é bom o suficiente para ser considerado uma experiência única e própria, podendo (até certo grau) ser jogado de forma independente.

Estudando sobre o desenvolvimento da série, eu entendi que o jogo sofreu de uma visível falta de verba, e eu acredito fielmente que isso seja a causa de algumas das falhas mais gritantes, como falta de música e dungeons fracas. E mesmo assim, o time se prontificou a nos entregar uma experiência completa, com conteúdo, e vários mimos e charmes. Como por exemplo, os Digimon podem te seguir (sem que você tenha que comprar uma DLC porca pra isso! hahahaha) e você ainda pode ajustar essa opção, tendo até 3 te seguindo por vez. É possível por roupas nos Digimon, os diálogos são excelentes, o limite de membros da sua party é definido pelo quanto de memória RAM seu Digivice possui, e cada Digimon possui um peso, cada Digimon possui ao menos uma ou duas animações únicas e cada uma delas é linda. E por ai vai…

Uma pena que os acessórios sejam acessíveis apenas ganhando pontos no multiplayer, mas o jogo disponibiliza bots para facilitar.

Os seus Digimon podem possuir personalidade própria, até pode vestir eles!

O ponto que quero chegar aqui, é que muito embora Hackers Memory não seja um título perfeito, todo o charme, conteúdo e empenho colocado em sua criação fazem dele um jogo sólido e especial. O conteúdo aqui realmente vale a pena, e se você gosta de jogos de monstros colecionáveis e está em dúvida se vai comprar este, eu devo dizer com a mais absoluta certeza que este é um dos mais competentes do gênero da última década. Coloco ele pau a pau com Ni No Kuni e Pokémon Black & White. É sem dúvida um jogo com qualidade, e eu acho que é por isso que você caro leitor, deveria joga-lo!

Eu sei que é um clichê enorme, em toda e qualquer mídia a discussão de ‘’mainstream bad e underground good’’ mas eu acho que este é um desses casos. Eu só descobri esse jogo pois Pokémon me decepcionou, e já vinha me decepcionando faz tempo. E como esses jogos são objetivamente comparáveis, você que existe uma discrepância imensa de qualidade entre ambos… E isso me deixa um pouco triste, pois eu acho que jogos assim deveriam ter mais espaço nesse nicho.

Um adendo dentro dessa ideia de mainstream e underground, é que é possível adquirir tanto Cyber Sleuth quanto Hackers Memory, ambos num pacote só pelo valor de menos de um jogo, onde o Cyber Sleuth recebe todas as melhorias de seu sucessor… Quando você compara isso com jogos como Pokémon Sword and Shield que cortam conteúdo pra vender DLC para o jogador, chega a ser injusto.

Se você também acha, faça sua parte e jogue Cyber Sleuth e Hackers Memory! Certeza que não vai se arrepender!

Obrigado por ler até aqui! Divulgue para seus amigos, se gostou. Comente se não gostou. Espero que eu tenha te incentivado a conhecer essa franquia maravilhosa, e se sim, Digimon Cyber Sleuth Complete Edition com os dois jogos estava em promoção na Steam!

Até!

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Cafe 8 bits

Falo de vídeogames e mídias que acompanho. Apaixonado por JRPGs e moncos (monster collection games) Nosso arquivo: https://pastebin.com/PZf0ijeP