Review: Shin Megami Tensei V e a volta ao apocalipse

Cafe 8 bits
12 min readJan 19, 2022

Quatro anos de espera. Quando um jogo como este fica anos sem dar as caras, é natural que as expectativas subam e todos acabemos criando um produto que não existe nas nossas cabeças. No meu caso -E eu falo isso no mais puro âmbito pessoal- SMT V foi tudo que eu queria e mais um pouco.

Shin Megami Tensei V aposta num take um pouco diferente no quesito pós apocalipse com relação aos jogos anteriores, pois aqui temos duas dimensões que coexistem paralelamente. Uma Tóquio que foi devastada por um evento cataclísmico, e a outra vive uma vida supostamente normal nos tempos de hoje.

As primeiras horas do jogo são infelizmente o único ponto da trama que explora um pouco dessa dinâmica. Eu gosto bastante do tom dessa parte, soa como um filme de terror, a música, a atmosfera, tudo parece que caminha para algo muito ruim porém, nunca vemos essa ameaça. Me lembrou um pouco o começo de SMT 1.

Este início do jogo não é tão bom em subverter suas expectativas quanto o de seu antecessor, ou tão direto em estabelecer seu mundo e suas forças de ação quanto Nocturne. Porém, o foco no setting faz o suficiente para passar uma sensação bastante única, que muito poucos JRPG conseguiram nesta geração. É triste entretanto, já me adiantar de que não fizeram muito com essa escrita e tom.

Por exemplo, aquela promessa antiga de que SMT V tocaria em tópicos controversos e importantes da sociedade contemporânea acabou não rolando.

Em vez disso, SMT V opta por ser um jogo muito mais preocupado em criar ambientações únicas e sensações mais sutis aos jogador. Isto acaba sendo o foco principal do título a partir do momento que adentramos o submundo de Da’At, onde de fato vamos passar grande parte da narrativa. Por si só, este fato não é um problema, mas combinado com a ideia de que as primeiras seis a sete horas de jogo nos fazem sentir que vamos ter um foco maior em trama, acaba deixando alguns jogadores confusos. Seria melhor ter apostado neste mundo desde o primeiro minuto de jogo. Porém, eu não tenho incômodos com o foco em atmosfera. Para mim, SMT sempre se vendeu assim.

Onde o título realmente brilha é dentro de Da’At, onde temos o que arrisco dizer ser uma das melhores explorações de JRPGs modernos. Esse submundo é rico em detalhes, seja nos pequenos pedaços de pós civilização que você encontra pelas ruas desoladas, pelos ambientes verticalizados de exploração, ou pelo incentivo a encontrar novas side quests, itens e personagens. Imersão no mundo do jogo foi claramente o foco dos desenvolvedores, para o bem ou para o mal.

Da’At é a evolução natural da franquia para mim. O que antes era um dungeon crawler recheado de diversos calabouços temáticos, agora é um enorme mundo composto por áreas interconectadas, onde você é livre para explorar, batalhar, e fazer missões. (Uma grande evolução do conceito de áreas de Tóquio que SMT IV introduziu) Eu genuinamente amei fuçar cada pedacinho desse mapa, é recompensador e divertido. Para todo lugar que você olha vai ter um ponto de interesse. As partes que você pode visitar são vivas e muito bem detalhada. Cada pedacinho da Tóquio destruída de Shin Megami Tensei V tem algo pra contar. É como se todas as áreas nos dissessem um pouco de como foi o evento apocalíptico que as dizimou, e eu amo isso.

As missões secundárias que encontramos variam bastante. Algumas são muito boas, demandando que tomemos um lado em uma disputa, outras envolvem boss battles temáticas, e outras são fetch quests. Ainda assim, a grande maioria é muito boa e realça a personalidade única de cada demônio que as protagonizam.

Isso sem contar os chefões opcionais que só… Andam pelo mapa prontos para te matar.

Não é só bom de explorar a Tóquio devastada, mas também é bom de olhar ela. Apesar de rodar em um console com hardware defasado como o Nintendo Switch, este é provavelmente o jogo mais bonito e visualmente ambicioso da Atlus. Algumas cenas parecem pinturas digitais. Embora você sinta sim o Switch puxando o jogo para baixo na questão visual e de performance, é notável o polimento dos desenvolvedores em deixar tudo muito bonito e visivelmente agradável. A direção de arte de SMT V é simplesmente ótima, e uma evolução com relação ao último jogo, que soava muito desfocado nesse aspecto.

Isso se reflete até nos demônios novos que recebemos! Masayuki Doi retorna desta vez como o grande responsável pela criação das entidades que vamos enfrentar e recrutar no submundo de Da’At. Muitos viraram clássicos instantâneos, como Fionn McCool, Daemon, Idun. Outros foram um pouco mais controversos, mas eu sinto que a fanbase de Megaten nunca vai ficar satisfeita enquanto o Kaneko não voltar. Eu, pessoalmente amei os novos demônios em grande parte, eu talvez só odeie mesmo a Demeter e a Cleopatra, que nem estrearam em SMT V. Sinto que o Doi começou a pegar o jeito da coisa, e ficar mais criativo com seus trabalhos.

Infelizmente o roster em si de demônios sofreu uma certa queda com relação aos jogos anteriores, sendo pouco menos da metade dos monstros disponíveis em seu antecessor. Isso claramente se deve ao fato de que estão trabalhando com modelos 3D agora, e eu sei que isso foi para melhor. Todo demônio tem uma animação incrível e única, todos são muito vivos e o compendium de Megaten nunca foi tão expressivo. Pessoalmente, achei incrível como a seleção aqui é equilibrada entre o popular e o underground, no que diz respeito a quais criaturas foram selecionados. No mais, eu fico feliz pelo desenvolvimento do Doi como artista. Isso ficou evidente durante a espera para o lançamento, quando ele dividiu seus pensamentos sobre seus designs pelas redes sociais da Atlus.

Da esquerda para a direita: Angel, Daemon, Jack Frost, Amanozaku e Fionn McCool

Mas quando falo da direção artística, tudo isso vale também para a parte sonora. As duas dublagens do jogo estão excelentes. (Eu dou um destaque para as vozes da Tao Isonokami e do Nahobino em inglês. ) Fora isso, a música… Oh Deus, a música… SMT V tem uma trilha sonora impecável, composta pelo mestre Ryota Kozuka. Eu nem recomendo ouvir a OST sem jogar, pois ir descobrindo cada música enquanto joga é uma experiência única.

Poucos jogos me deram a sensação que tive quando cheguei na segunda área de Shin megami Tensei V. Além de ser uma vista estonteante, a música foi simplesmente divina e moldou aquele momento. São essas situações que queimam na minha mente como ‘’Uau então isso é Shin Megami Tensei.’’ Algo similar que senti com a Conception em Nocturne e a chegada a Tóquio de SMT IV.

Em outras palavras, a ambientação e atmosfera deste jogo é impecável e impressionantemente polida e bem feita. Eu não tenho como expressar melhor o excelente trabalho de imersão que a direção artística geral aqui proporciona, isso vocês vão ter que jogar para entender. Embora não tenhamos aqui os layouts expressivos e exagerados de JRPGs contemporâneos e personagens extravagantes que carregam a história com seu carisma, temos um foco atmosférico como poucas franquias conseguem fazer, e eu pago muito pau pra isso. -Na falta de uma expressão melhor.-

É claro que entretanto, o que recheia o jogo para mim é o combate. SMT V refinou muitas mecânicas presentes nos jogos anteriores, criando um sistema cheio de camadas enquanto simplificou alguns aspectos. Talvez as mudanças mais significativas para mim tenham sido a forma que os buffs funcionam e a barra de Magatsuhi.

Como é bem conhecido, SMT opera pelo combate em turnos, utilizando o press turn. Ou seja, você ganha ou perde turnos por explorar ou não as fraquezas de seus oponentes. Isso se mantem aqui neste título, porém a forma como os buffs funcionam foi alterada de forma que agora eles só duram 3 turnos. De início eu torci bastante o nariz para isso, mas conforme joguei notei que eu precisei reaprender muitas das minhas estratégias padrões da série, o que me deu mais diversão a longo prazo. O layout do combate também da um excelente feedback em quando seus buffs vão acabar, e muitas habilidades e skills passivas que podem mexer com isso. Eu não acho que tenha sido uma mudança ruim, e embora eu prefira a forma antiga, foi divertido reaprender a lutar.

Já a barra de Magatsuhi veio como a adição bem-vinda ao combate, assim como foi o Smirk em SMT IV. Entretanto, muito melhor utilizada. Esta nada mais é que um poder especial, que vai carregando quando você alcança certos requisitos seja em batalha, ou fora dela. Ao alcançar estes, dependendo de como estiver com sua party, pode utilizar uma série de ataques únicos que não custam turnos. Esses ataques variam desde critical hits garantidos, até buffs para a party toda, ou cura, etc, etc… Você pode desbloquear novas habilidades Magatsuhi conforme avança no jogo, cada raça de demônio tem sua própria.

Eu adorei essa adição, pois os ataques especiais que desbloqueamos realmente adicionam uma pouco a mais no combate, e muitas delas são bem úteis. Mas eu senti que faltou polir mais essa mecânica, além de que os chefes e inimigos do jogo parecem só ter acesso a uma habilidade, o que sinceramente não torna ela tão equilibrada. De qualquer forma, é um sistema interessante de usar, e colecionar todos os especiais do jogo e ver o que fazem também é divertido.

No geral, o combate é muito bom e como sempre um ponto forte. Infelizmente as boss fights do jogo não são tão marcantes quanto seus antecessores, e apostam em gimmicks que não me conquistaram muito. De qualquer forma, elas ainda são boas e você com certeza vai passar muito tempo montando estratégias, e descobrindo mecânicas no combate. Isso para mim já configura este jogo como dentro do esperado.

Dou destaque para o Super Boss do jogo, que não vou falar quem é, mas cristo amado 40 minutos de luta.

Gostei bastante dos Abcessos que são ninhos de demônios bloqueados por mini chefes. Muitas vezes as combinações que eles usam são muito dinâmicas e poderosas, o que torna a progressão do mapa mais engajadora.

Outro aspecto que ajuda todo o núcleo de combate, é a customização. Eu diria que é a melhor de toda a franquia, sem nenhuma dúvida. Em SMT V podemos colecionar essências de demônios, que basicamente funcionam como as sources de Strange Journey, no sentido de ser um item que contem algumas habilidades que um demônio poderia aprender. Ao usar esse item numa fusão, seja com o protagonista ou com uma de suas criaturas, estes ataques podem ser transferidos. Isso é equilibrado pelo fato de que cada monstro tem afinidades com certos atributos, então você pode otimizar o tipo de habilidade que ensina.

A gama de liberdade que isso da ao jogador é imensa, e pra mim segmenta SMT como o eterno rei dos monstrinhos colecionáveis, por sempre dar ao jogador total direção de como quer jogar. Além disso podemos manipular os status individuais de demônios, e contamos com o retorno da afinidade de skills de Apocalypse, tornando o sistema de party mais robusto, flexível e divertido de brincar. Você absolutamente pode fazer uma versão quebrada e apelona daquele bicho que você adora e eu acho isso lindo.

Eu estava bufando esse Scriblo Bimblo que começa no lv 20… e olha o tão longe que ele tava!

Eu só fiquei meio pra baixo com a falta das fusões de sacrifício, mas acredito que elas ficam redundantes com as essências.

Talvez dentro deste tópico, minha maior decepção tenha sido o modo hard. Ele claramente não foi pensado como a dificuldade padrão do jogo, o que seria tudo bem, mas ele é só desgastante pelos motivos errados. Os inimigos são apenas esponja de danos, e não tem uma dificuldade real envolvida. Eu não recomendaria jogar no hard.

Eu também poderia falar da nojenta prática de DLC no dia 1 e paid XP, que sinceramente foi uma decepção à parte. Mas quem sabe eu faça um texto só sobre isso mais pra frente.

Tudo isso para a gente chegar aqui: Na parte em que eu falo que vou ficar muito surpreso se as próximas gerações não encararem SMT V como um verdadeiro clássico desta geração de JRPGs. Embora sofra sim de defeitos e tenha se embolado um pouco no que queria passar, ainda é uma experiência polida e imersiva que é muito diferente de seus contemporâneos.

A temática dos Nahobinos e das facções de deidades lutando pelo domínio de um universo sem criador é uma setting extremamente interessante, e que mesmo que não vá muito além disso neste jogo em questão, ainda é uma excelente cortina para o palco que temos.

Acaba sendo mais uma experiência íntima jogar SMT V. Eu gosto dos personagens, mas é muito do que eu mentalizei para eles, e isso não é necessariamente bom, mas também não é de todo ruim. Acho que foi um título experimental em muitas coisas, e apostou em águas meio novas para a série sem ter uma direção de escrita muito concreta, o que acaba sendo o grande tendão de Aquiles para a franquia no futuro.

Mesmo assim, SMT V tem a sua temática de como a sociedade moderna é guiada por critérios duvidosos e como recria-la não seria exatamente a tarefa mais fácil do mundo. Embora bem apagados, os personagens possuem suas convicções próprias, mas no fim é tudo sobre sua jornada pessoal até o trono do Deus caído, e trilhar um caminho próprio. Eu gosto disso, a jornada de SMT V é verdadeiramente o foco.

É muito fácil eu apontar que SMT V é um jogo mais ambíguo ou abstrato no que quis dizer, quando na verdade ele quis passar temas muito complexos com pouca exposição. Entretanto, para mim ainda se fez uma jornada pessoal e proveitosa, que com certeza muitos fãs de JRPG vão amar. Embora melhor que SMT IV para mim, mas não melhor do que Nocturne, V foi uma entrada sólida na franquia, um passo arriscado na direção certa. Mas a partir daqui a equipe por trás de Megaten precisa decidir o que querem para a série no futuro, uma direção sólida seria bem-vinda.

Por hora, podemos dormir satisfeitos com o que recebemos? Eu diria que sim! Shin Megami Tensei V é um excelente JRPG, com mecânicas imersivas e dinâmicas e enquanto não tem a melhor história character driven que a Atlus já colocou na mesa, tem uma gameplay que beira a mestria do que se propõe, sendo uma experiência atmosférica única, linda e extremamente recompensadora. Se você nunca jogou nada da série, este de fato é um excelente lugar para começar, devido a ser um jogo extremamente moderno e bem construído.

E embora eu pense que SMT V definitivamente não vai agradar todo mundo, eu vou ficar muito surpreso se no futuro este não for lembrado com muito carinho, tanto quanto seus antecessores, dentro do círculo de JRPGs. Eu fico feliz de ter esperado tanto por esse jogo, que perdi horas e horas imaginando. Atlus foi ambiciosa, e conseguiu mostrar para que veio. Agora nos resta saber se aprenderão com as baixas desta empreitada arriscada, e trarão melhorias sólidas para a franquia no futuro.

E agora Atlus? O que será que vem ai?

Shin Megami Tensei V é lindo, joga bem, e já é um clássico. Agora resta esperar o que a Atlus fará com essa franquia, já que o quinto título se tornou o jogo mais vendido e bem aclamado da série. Eu não sei o que esperar, mas estou animado. Viva os JRPGs, pois SMT V é uma glória imensa para eles. Que mais experiências únicas assim surjam no futuro. Eu realmente estou muito feliz com este jogo, e ele é meu favorito de 2021!

Apesar da escrita ser falha, não da pra negar. E as DLCs serem uma merda. Não comprem.

é isto

Shin Megami Tensei V está disponível no momento apenas para o Nintendo Switch. Você também pode conhecer outros jogos da franquia pelo meu canal, ou aqui no Medium mesmo. Espero que tenham gostado, por hoje é só. Esse texto demorou cinco anos para sair, mas espero que gostem. Eu sei que soei meio biased, mas realmente tentei digerir este jogo com o máximo de racionalidade que meu coração permitiu, mas nesse mundo realmente nada agrada a todos.

Até a próxima!

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Cafe 8 bits

Falo de vídeogames e mídias que acompanho. Apaixonado por JRPGs e moncos (monster collection games) Nosso arquivo: https://pastebin.com/PZf0ijeP