Shin Megami Tensei IV: A beleza das consequências de suas ações

Cafe 8 bits
8 min readApr 25, 2020

Shin Megami Tensei é uma série em particular que demorei muito para adentrar. Mas hoje, é uma das minhas franquias de jogos favoritas e que definitivamente possui uma grande importância e influência em um dos meus gêneros favoritos de videogames: RPGs de colecionar monstros.

Eu já tinha jogado SMT, mas nunca avancei muito nos jogos, fosse pela falta de oportunidades, ou pela minha inaptidão pra jogar RPGs antigos com sistemas datados. De qualquer forma, por ser muito fã de Persona, eu possuía uma admiração enorme pela propriedade intelectual que a gerou. Foi questão de tempo até achar Shin Megami Tensei IV baratinho, e comprar. Mesmo assim, ainda demorei a me aventurar nele.

Poucos jogos me deixaram com um baque emocional como esse jogo me deixou ao fim de minha experiência. Eu sei que se você parar para analisar ele com outros títulos de Megaten, ele é o menos inovador e é o mais ‘’play safe’’, mas mesmo com novas direções e pés firmes no tradicionalismo, o quarto título de Shin Megami Tensei, que ficou 10 anos em hiato não me decepcionou nem um pouco, como porta de entrada definitiva para essa série.

O começo de SMT IV é excelente em subverter nossas expectativas, principalmente se você é um marinheiro de primeira viagem. Começamos explorando um reino medieval, e acabamos numa Tóquio pós apocalíptica infestada de demônios. Pra ser honesto, a ambientação aqui é uma das minhas favoritas de todos os Megaten que joguei, (se não considerarmos Soul Hackers) Embora essa mesma atmosfera seja um grande misto quente do que já deu certo em jogos anteriores, ela tem um peso forte sobre a sensação que a obra quer te passar, e com o tempo a gente se apega a ela. Eu vou além, digo até que é difícil pensar numa sequência que não aposte nesse visual pós apocalíptico de novo.

E a ambientação funciona bem com seu level design, que segue uma linha muito mais simplista do que os jogos anteriores, especialmente Strange Journey e Nocturne. Entretanto, não é simplista ao ponto de ser tedioso, apenas não é desorientador para novatos, o que sinceramente é sempre bem-vindo. Explorar a Tóquio destruída é caótico e tenso, mas não frustrante. A maioria das dungeons opcionais possui um grau de complexidade maior, embora sejam menores em comparação as demais, mas o suficiente para instigar um desafio a jogadores mais experientes que quiserem se aventurar.

Tudo isso é perfeitamente complementado pela música, que eu me arrisco a dizer ser uma das melhores composições da Atlus, no que diz respeito Shin Megami Tensei. Não teve uma música desse jogo que me causou indiferença, e até hoje me pego ouvindo elas!

Um dos temas mais lindos e viciantes de SMT IV

Sem contar que, SMT IV possui um senso de progressão extremamente competente. Eu adoro a filosofia que os desenvolvedores seguiram com as boss fights, as fazendo um aprendizado em vez de apenas uma parede no caminho. Todos os chefes (Salvo algumas exceções) tem algo para nos ensinar das mecânicas de combate, o que torna vencê-los muito mais recompensador, já que este não é o tipo de jogo que se vence acumulando números.

O combate em Shin Megami Tensei IV é preciso, dinâmico e punitivo. Não te pune de uma forma cruel, mas que te força prestar atenção em seus movimentos. Eu sofri por isso! Eu perco foco muito fácil, e muitas vezes me via sendo despedaçado por demônios bobos, por um simples erro de decisão. Novamente, decisão é a palavra chave para essa obra, até em suas lutas mais banais, estamos presos as consequências diretas de nossos atos. Devemos negociar com esse inimigo? Devemos ataca-lo e gastar recursos? Devemos fugir? São constantes em nossos encontros com os demônios e seres que dominam Tóquio, o que acentua o tema geral do jogo e a tensão que nos cerca a cada encontro.

O sistema Press Turn foi refinado para as batalhas, contando com uma nova mecânica, que permite ganhar bônus de dano por ataques críticos, e como sempre o que vale para o jogador vale para o oponente, tornando todo e qualquer encontro após o mid game, perigoso em certo nível.

Arte conceitual da Tóquio pós apocalíptica

Graficamente falando, o título é um acerto atrás do outro. A arte de Doi substituindo a clássica do Kaneko enfureceu muita gente, mas não me incomodou tanto. Acredito que ele acertou a essência de Megami Tensei em seus conceitos. Eu gosto dos visuais mais simples, e pixel arts que representam objetos a distância, e do próprio uso do 3D e 2D mesclados. Funciona de forma excepcional no portátil da Nintendo, no geral, tudo visualmente é bem agradável.

Caminhos e escolhas

SMT IV possui um foco em escolhas e orientações individuais. A quem você vai se aliar para ditar o futuro? A lei? O caos? Ou vai ser neutro? Este é um pilar central em todos os jogos da série, até em alguns spin offs. E aqui, assim como nos antigos essas escolhas são humanizadas nos personagens que nos acompanham. Podemos nos aliar a Walter, um camponês de Mikado, acostumado a ser oprimido pelos nobres, que se alinha ao caos. Podemos nos aliar a Jonathan, um nobre estudioso e bondoso que preza pela lei, ou podemos nos unir na imparcialidade de Isabeau, uma filha de família religiosa que desistiu de ser uma sacerdotisa para se juntar a causa dos Samurai.

Embora esse grupo seja espetacular e funcione muito bem, as vezes a narrativa esquece de outros personagens. Muitos dos secundários não ganham a devida atenção, não faltam pontas soltas. Inclusive, um dos protagonistas principais, Navarre, simplesmente desaparece na metade da trama. Eu sempre achei estranho, pois ele é tão vinculado em materiais promocionais que eu sempre fiquei me perguntando se deixei algo passar.

(Eu sei que o Navarre aparece em Apocalypse, que é uma continuação da história do IV, mas eu não joguei esse jogo, e sinceramente não pretendo pois não gostei do que vi nele. É…)

Ainda assim, é divertido ver como cada um dos membros da história principal possuem pontos marcantes. Até Burroughs, nossa computador e I.A que nos acompanha tem uma personalidade amigável, e que nos cativa. Isto é, quando ela não está quebrando nossa imersão pra informar que terminamos, ou começamos uma quest. Em um dos finais, eu cheguei a quase chorar com o destino de Burroughs.

E mesmo que o grupo funcione bem, eles ainda são alusões claras aos jogos antigos. Isso volta a bater na tecla de que SMT IV é um misto de tudo que já deu certo antes na franquia. Isso pode ser algo ruim, e diversas vezes me incomodou na obra, mas continua sendo um piso sólido para quem quer conhecer Megaten, e não tem saco para os jogos mais antigos do Super Nintendo, por exemplo.

De qualquer forma é muito bom ver o desenvolvimento dos personagens e o que cada final reserva para eles, respectivamente. Mas é deprimente ver bons amigos, caindo cada vez mais em direção a um conflito iminente.

Infelizmente, eu preciso parar essa parte do texto aqui já que um spoiler da história pode destruir sua experiência.

Preto e Branco

Shin Megami Tensei IV infelizmente não é um passo a diante na franquia. Seus sistemas polidos e bom storytelling o fundamentam como um ótimo jogo, e um dos meus favoritos do 3DS e da Atlus em geral, e pelo pecado cometido com jogadores antigos, de se submeter a uma experiência mais clássica, ele também se tornou um porto seguro para jogadores casuais e novatos que querem uma chance nessa série anciã.

E fazer uma análise crítica deste título se provou uma tarefa extremamente difícil para mim, pois nenhuma destes fatos citados ofusca o brilho da mensagem filosófica, teológica e antropológica da obra para mim. SMT IV brinca com os conceitos do que é certo e o que é errado, polarização e ideais. Coisas que andam muito em cheque na vida moderna, e que muitas vezes acabam causando disputas políticas.

Tabela de alinhamentos do MMO Shin Megami Tensei Imagine, uma das melhores ilustrações do sistema

Ou seja, essa mensagem de mais de 30 anos nunca deixa de ser relevante. SMT IV nos mostra o quanto as disputas humanas são resumidas a preto no branco, 8 ou 80. Entretanto, pelo viés mais difícil da história e da gameplay, nos da a opção de abranger a neutralidade. Mas afinal de contas, nós de fato a abraçamos? É possível ser 100% neutro? Até que ponto vão nossas ideologias e princípios?

E para provar seu ponto, SMT IV nos da uma das cenas mais violentas, chocantes e mentalmente perturbadas de todo o jogo, caso sigamos por algum dos lados extremistas, quando uma personagem nos mostra que está disposta a sacrificar tudo pelo que acredita. Eu não quero dar spoiler, assim a cena não perde impacto, mas… Pela primeira vez um videogame me fez emular o sentimento de culpa. Quando matamos em videogames, normalmente isso se resume a números numa tela, mas quando vemos um personagem que genuinamente vimos crescer e se desenvolver ser vítima de uma ideologia distorcida a qual nós estamos ajudando a perpetuar… É realmente deprimente.

Abertura de Apocalypse, tem umas cenas bem edgy

Quando Shim Megami Tensei IV acabou, eu senti um peso. Nada daquilo estava certo, parecia que nenhum final feliz era possível e o jogo me torturou me fazendo me apegar a personagens e conceitos os quais eu mesmo ajudaria a destruir. É claro, essa foi a rota que eu peguei, mas enquanto os créditos subiam com sua música e tom mórbido, não pude fazer mais nada a não ser sentir peso na consciência.

E lembra no meu texto de The Last of Us, onde disse que um videogame alcança o pináculo, quando ele usa sua mídia e ferramentas para difundir uma experiência e sentimentos de forma única? É exatamente isso que acontece aqui, por isso eu não vejo a hora de rejogar SMT IV novamente! Eu quero refazer meus passos por outros caminhos, e ver outros finais.

Infelizmente, na vida não podemos ver todos os finais. Só vemos um deles, e por isso as consequências de nossos atos são algo que nunca deve sair de questão. SMT IV fala sobre isso, desde seu combate, até sua historia. E é por isso que esse é um jogo maravilhoso, e que você deveria conhecer.

Obrigado por ler até aqui! Divulgue para seus amigos, se gostou. Comente se não gostou. Espero que eu tenha te incentivado a conhecer essa franquia maravilhosa, e se sim, SMT IV está sempre em promoção na Eshop do 3DS. Vamos juntos no hype para SMT V! Isto é… Se ele existir…

Até!

--

--

Cafe 8 bits

Falo de vídeogames e mídias que acompanho. Apaixonado por JRPGs e moncos (monster collection games) Nosso arquivo: https://pastebin.com/PZf0ijeP